Ao longo da apuração para a série “O Rio sem entrega”, que chega ao fim hoje, o EXTRA contatou 24 empresas para checar a procedência de produtos vendidos por camelôs nos trens da SuperVia. Dessas, dez não repassaram informações à equipe de reportagem — fosse alegando questões estratégicas, fosse reconhecendo a incapacidade de rastrear com eficiência os próprios produtos.
— Com frequência a polícia vai a algum comércio com o informe da existência de produtos roubados naquele local e, ao chegar, não há como comprovar. Isso acontece muito com botijões de gás, que não contam com numeração, chassi e nem nada do gênero — exemplifica o coronel reformado da Polícia Militar Venâncio Moura, diretor de segurança do Sindicato das Empresas do Transporte Rodoviário de Cargas e Logísticas no estado (Sindicarga).
Também é comum que, ao chegar a uma delegacia para registrar o roubo, os responsáveis pela carga não apresentem sequer uma nota fiscal referente às mercadorias levadas pelos bandidos. Mesmo quando é entregue aos policiais, o documento, muitas vezes, contém apenas dados genéricos sobre quantidade e valor total dos itens, sem informações que facilitem o rastreio item a item.
— A gente até pode ponderar, mas não tem como condicionar a confecção do registro à apresentação da nota fiscal porque seria penalizar o empresário duas vezes, além de poder causar até uma subnotificação — explica o delegado Marcelo Martins, chefe do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE).
Parlamentar sugere leilão de cargas
Com a dificuldade do rastreamento, parte dos produtos recuperados pela polícia acaba nunca tendo o dono identificado. Uma proposta do deputado Carlos Osório (PSDB) prevê que esses itens possam ir a leilão, com o valor arrecadado sendo destinado ao combate aos roubos de cargas. O parlamentar compõe um grupo de trabalho que debate o tema, do qual também fazem parte Martha Rocha (PDT), Paulo Ramos (PSOL) e Waldeck Carneiro (PT).
Nas reuniões, autoridades e empresários também são convidados a propor soluções. Uma das sugestões da Polícia Rodoviária Federal (PRF), por exemplo, é que os caminhões tenham um número de série na parte superior para facilitar a localização, por helicópteros, dos veículos roubados.
Amigos do trem: o contraponto aos camelôs do crime
“Isso dá cadeia”, avisa o folheto entregue aos vendedores que participam do movimento que reúne ambulantes do ramal Saracuruna, da SuperVia, ao lado da frase “distribuir produtos vencidos”. A lista de recomendações continua: “Trabalhar sempre com nota fiscal”. Mesmo que o assunto não seja tratado diretamente, o contraponto com os camelôs do crime — que, conforme o EXTRA trouxe à tona, oferecem itens roubados nos vagões do ramal Belford Roxo — acaba sendo inevitável.
— A gente faz encontros mensais e procura orientar todo mundo a respeitar o usuário e a evitar certas práticas, que podem prejudicar a imagem da categoria — diz Jorge dos Anjos Gonzaga, o Azulão, de 57 anos, 30 deles dedicados ao comércio nos trens do estado.
A associação liderada por Azulão, única do gênero em atividade, reúne cerca de 120 trabalhadores, que costumam circular pelos vagões com uma camisa onde se lê a expressão “Sou amigo do trem”. Ele estima que, ao todo, sejam aproximadamente 1.200 ambulantes atuando em toda a malha ferroviária — a enorme maioria respeitando a lei.
— Somos trabalhadores humildes, mas em busca de dignidade — garante.