Especialistas acreditam que com o Nordeste fora do pacote de investimentos em logística do governo federal, as desigualdades sociais e econômicas irão aumentar. Fortalecimento político da região é uma das soluções apontadas.
A ausência de oito dos nove Estados do Nordeste, inclusive o Ceará, no Programa de Investimentos em Logística anunciado pelo Governo Federal, que prevê investimentos de R$ 133 bilhões em concessões para estradas e ferrovias, vão aumentar ainda mais as desigualdades sociais e econômicas da Região em comparação às áreas mais ricas do País, constatam especialistas ouvidos pelo O POVO.
Isso porque, na prática, a falta de investimentos significa um aumento de custos para a produção que sai e que chega, o que afasta investidores e atrasa o desenvolvimento econômico da Região.
“Nosso custo com seguro, manutenção do veículo e gasto com o motorista fica 35% maior do que se as estradas estivessem em melhor situação. Com isso, o produto final para o consumidor fica 18% mais caro só pelo deslocamento feito em estradas com condições precárias”, destaca Espedito Roseo, gerente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Ceará (Setcarce), entidade que representa 563 empresas de transporte.
Privatização
Segundo a economista e especialista em desenvolvimento regional, Tânia Bacelar, a decisão do Governo de priorizar Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste segue a lógica da privatização. “Os empresários vão para onde a economia é mais forte, onde tem mais investimentos e mais infraestrutura. Com isso, temos Estados muito ricos aqui no Nordeste, mas com dificuldades competitivas em relação aos demais Estados das Regiões Sudeste e Sul”, afirma.
Para ela, “a partir do momento em que o Governo Federal aumenta a escala dos investimentos privados em infraestrutura de transportes nas regiões mais ricas, deveria investir diretamente nas regiões que ficaram de fora do pacote”.
Para demonstrar a precariedade das estradas que cortam o Ceará, Roseo mostra pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em 2011. Segundo o estudo, 79% das estradas estaduais e federais estão entre regular/ruim/péssimo, 16,2% foram consideradas em bom estado e apenas 4,8%, ótimas. Do total de 3.269 km de estradas que cortam o Estado (2.243 km federais e 1.026 km estaduais), só 87 km (2,7%) são duplicados. A pesquisa mostra ainda que seriam necessários R$ 1,325 bilhão para melhorar as estradas no Ceará.
Para o economista e ex-deputado federal Firmo de Castro, mobilização política é essencial para fazer o Nordeste participante dos investimentos federais. “Nós temos carência de força política expressiva na Região. O traço regional de investimentos não existe mais, o que temos agora são ações setorizadas e para áreas mais ricas. A gente vai no rastro da carruagem nacional e pegamos o que sobrar”, comenta.
O também economista Marcos Holanda concorda e defende uma política de compensações das regiões menos estruturadas. “Isso foi feito no mundo afora. O Nordeste, pelas dificuldades que tem, deveria ter rodovias e ferrovias bem melhores do que as do Sul e Sudeste, para atrairmos mais os empresários e garantirmos mais investimentos para a região”.
O POVO tentou falar com o secretário de infraestrutura do Ceará (Seinfra), Adail Fontenele, que estava em reunião. A assessoria de imprensa da Seinfra informou que o Governo estuda uma mobilização em Brasília, mas sem data marcada. O Ministério dos Transportes também foi procurado, mas até o fechamento desta edição a assessoria de imprensa do órgão não respondeu à demanda.
Por quê
ENTENDA A NOTÍCIA
Investimento em logística de transporte é essencial em um país que utiliza quase integralmente esse tipo de deslocamento para escoar a produção e adquirir matéria prima. Não investir nisso resulta em retrocesso econômico.
Números
133
bilhões de reais é o total de investimentos em rodovias e ferrovias com o Plano
8
unidades da federação foram contempladas pelo pacote. Ceará ficou de fora
18%
é o percentual de aumento no produto final por conta da má condição da malha viária no Ceará
Saiba mais
Os R$ 133 bilhões serão destinados à construção de ferrovias, com investimentos de R$ 91 bilhões, e duplicação e construção de rodovias, com aplicação de R$ 42 bilhões. Do total, R$ 79,5 bilhões serão aplicados nos próximos cinco anos e R$ 53,5 bilhões em até 25 anos, com a seguinte divisão: nas ferrovias, R$ 56 bilhões serão investidos em 5 anos e os R$ 35 bilhões restantes em 25 anos; nas rodovias, R$ 23,5 bilhões serão investidos em cinco anos, e R$ 18,5 bilhões, em 20 anos.
O programa contempla nove trechos de rodovias federais em oito unidades da Federação, com regras para as concessões que protegem os motoristas urbanos e estimulam tarifas mais baixas.
No modal ferroviário, o modelo proposto é de parceria público-privada, que assegura investimentos em 12 trechos e traz como novidades a quebra do monopólio no uso das estradas de ferro e mecanismos que também estimulam a redução de tarifas.
Fonte: Jornal O Povo – 23.08.2012