Justiça aceita denúncia contra 19 fraudadores do setor têxtil

Fonte: Jornal O Povo

| ICMS | Maioria dos investigados foi presa em 2017 na operação Dissimulare. Tecidos adquiridos sem impostos eram revendidos no comércio popular. Primeira denúncia do caso havia sido rejeitada

A juíza Solange Menezes de Holanda, da 5ª Vara de Execuções Fiscais e Crimes contra a Ordem Tributária, acatou integralmente o teor da denúncia feita pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) do caso da operação Dissimulare. A investigação foi deflagrada em setembro do ano passado. As 19 pessoas acusadas de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, de um grupo de empresas do setor têxtil local, tornaram-se rés perante a Justiça.

 

A conta da fraude atualmente está em quase meio bilhão de reais (R$ 429 milhões), valores relativos a impostos não pagos ao Estado em pelo menos três anos de investigação. Para dois dos réus, o empresário Jovilson Coutinho Carvalho, apontado como o principal líder do esquema, e o contador Francisco José Timbó Farias, a Justiça manteve em aberto a ordem de prisão preventiva. O mandado havia sido emitido em 1º de setembro de 2017 e eles seguem considerados foragidos.

 

O MPCE realizou a investigação através do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf). Na denúncia, os promotores haviam pedido a prisão de 14 dos 19 acusados, mas, ao despachar na última sexta-feira, a juíza avaliou que a renovação das demais prisões não seria necessária para o andamento do caso. Jovilson e Timbó nunca foram ouvidos, por isso ela decidiu que eles ainda precisarão ser ouvidos sobre a acusação.

Na última segunda-feira, 12, completaram-se três meses que o MPCE apresentou nova denúncia à Justiça contra o esquema de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro praticado por um grupo de empresas do setor têxtil.

 

Investigada pela Secretaria da Fazenda (Sefaz) e Polícia Civil e batizada de operação Dissimulare, a fraude atualmente está em quase meio bilhão de reais em impostos não pagos. Dezenove pessoas são citadas na nova acusação. Foi pedida a prisão preventiva para 14 delas.

Conforme a acusação do MPCE, empresários participantes da fraude compravam toneladas de tecidos fora do Ceará, mas não pagavam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Pelo modelo de Substituição Tributária (ST), a taxação do ICMS é feita na aquisição da mercadoria, mas os envolvidos conseguiam judicialmente adiar prazos e prolongar a dívida em tempo e cifras.

Quando a Sefaz chegava ao encalço para cobrar o sonegado, as empresas de fachada eram descartadas. Desapareciam, saíam de atividade, substituídas no “laranjal”. As empresas também repassavam notas fiscais frias a sonegadores, receptadores de cargas roubadas, feirantes e para empréstimos bancários.

Os produtos que entravam no Ceará eram revendidos principalmente para abastecer o comércio popular local. Chegavam em valores bem abaixo do mercado. As notas frias cobravam de 1,5% a 3% sobre o valor da mercadoria. Em 2015, O POVO detalhou parte da investigação feita pelo Setor de Inteligência da Sefaz. O trabalho norteou a apuração policial e a denúncia do Gaesf. Os nomes da denúncia atual são os mesmos do documento anterior, que acabou rejeitado pela juíza da 5ª Vara de Execuções Fiscais e Crimes contra a Ordem Tributária. Catorze dos 19 denunciados chegaram a ser presos quando a Dissimulare foi deflagrada, em 1º de setembro. Ganharam a liberdade 40 dias depois. Eles voltam a ser acusados por organização criminosa, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária e corrupção de agentes públicos. O empresário Jovilson Coutinho Carvalho, 55 anos, é, ao longo da denúncia, descrito como o líder e mentor da fraude. Usando “laranjas”, Jovilson seria de fato o proprietário da maioria das 27 empresas de fachada investigadas – que encobriam a compra de tecidos sem o ICMS/ST. Várias das fábricas e lojas de confecção têm registro em nome de parentes, amigos ou empregados de Jovilson. Também carros e imóveis. Nada do patrimônio rastreado pela investigação está no nome dele, conforme a acusação do MPCE. A denúncia pede que a culpa de Jovilson pelo crime de lavagem de dinheiro seja multiplicada 32 vezes. Na rua Professor Arthur de Carvalho, 491, na Lagoa Redonda, onde deveria existir a Empreendimentos Imobiliários e Construções Carvalho Ltda, o que funciona na parte da frente do imóvel é uma borracharia. O POVO confirmou que a mesma casa está à venda: por R$ 280 mil.

A imobiliária que deveria estar ali é registrada em nome de Mirtes Coutinho e Thamara Almada, irmã e sobrinha de Jovilson, respectivamente. Ambas também viraram rés no processo. A investigação policial apurou pelo menos duas transações da empresa tidas como irregulares: a compra de um prédio no Presidente Kennedy e a de um terreno no São João do Tauape. Negócios em valores milionários. O MPCE pediu que outra irmã de Jovilson seja investigada.

Um motoboy, um sócio-laranja e um gerente de contas do esquema toparam fazer delação premiada, durante a fase de investigação. Eles detalharam toda a teia da fraude que teria sido montada por Jovilson.

Dois auditores da Secretaria da Fazenda também tornaram-se réus: Antônio Alves Brasil, que era chefe do posto fiscal da Barra do Ceará, e Paulo Sérgio Coutinho Almada, irmão de Jovilson, que atuava na Célula de Fiscalização de Mercadoria em Trânsito. Eles entraram com recurso administrativo e voltaram a trabalhar em 2018. Porém, foram deslocados dos cargos anteriores, segundo a Sefaz.

Ontem, a Sefaz informou ao O POVO que a Corregedoria do órgão já recebeu a informação sobre a abertura da ação penal. Será avaliado administrativamente se os dois servidores irão continuar na função ou serão novamente afastados.

 

Para entender a Operação Dissimulare

 

s denunciados:

 

O SUPOSTO LÍDER DA ORGANIZAÇÃO

1. JOVILSON COUTINHO CARVALHO, 55 anos. Seu paradeiro é desconhecido. É apontado

pelos promotores como “idealizador, controlador e líder do esquema voltado para as fraudes”. FORAGIDO

 

EMPRESÁRIOS QUE SERIAM BENEFICIADOS

2. JOSÉ ORLANDO RODRIGUES DE SENA, 50 anos. Um dos principais empresários do

segmento têxtil no Ceará. Seria beneficiário do esquema fraudulento.

3. MARCUS VENÍCIUS ROCHA SILVA, 55 anos. Presidia o Sindconfecções-Ceará quando foi

deflagrada a operação Dissimulare, em setembro do ano passado.

4. JOSÉ ANTONIO BATISTA DE LIMA, 49 anos. Conhecido como “Zé Batista”, apontado como admnistrador de grande parte das empresas de fachada. Seria “braço direito” de Jovilson, conforme a denúncia.

 

QUEM SERIA OPERADOR e LARANJA DO ESQUEMA

5. FRANCISCO JOSÉ TIMBÓ FARIAS, empresário, contador. Segundo a denúncia, está “em lugar incerto e não sabido”. Atuaria na cooptação de laranjas. Receberia dinheiro por isso. FORAGIDO

6. NATÁLIA DE SOUZA COSTA, 29 anos. Auxiliar administrativa. Atuava, segundo a denúncia na “gerência logística das empresas de fachada”.

7. BRUNO RAFAEL PEREIRA CARVALHO, 35 ANOS. Filho de Jovilson. A denúncia diz que ele

era sócio de uma das empresas denunciadas na dívida ativa, ajudaria o pai em serviços

administrativos de algumas das empresas e na cooptação de laranjas.

8. MARIA SORAIA DE ALMEIDA, 29 anos. Uma das que ajudavam na cooptação de “laranjas”, teria como “tarefa principal” a negociata de notas fiscais frias de saída de mercadorias.

9. SUZY CARDOSO LIMA, 35 anos. Secretária de Jovilson. A denúncia aponta que ela cooptava laranjas e ajudava a forjar a regularização de empresas de fachada.

10. DANIEL ROCHA DE SOUSA, 43 anos. Era “espécie de gerente das empresas fraudulentas”, cooptava laranjas e até “pagava mesadas” a eles.

11. MIRTES COUTINHO CARVALHO, 60 anos. Irmã de Jovilson, a denúncia diz que a “única

missão” dela seria ocultar e dissimular o patrimônio adquirido pelo chefe do esquema.

12. THAMARA ALMADA DO NASCIMENTO, 26 anos. Sobrinha de Jovilson, também

participava do esquema na ocultação de patrimônio.

 

OS CONTADORES ENVOLVIDOS

13. CARLOS ANDRÉ MAIA SOUSA, 42 anos. Seria o “chefe da administração contábil e fiscal das empresas de fachada”. Atuou como contador em 17 das 27 empresas denunciadas.

14. FRANCISCO DE ASSIS NETO, 52 ANOS. Técnico em contabilidade, ajudava a constituir

formalmente as empresas do esquema fraudador, com o devido gerenciamento contábil e fiscal. Conforme a denúncia, é investigado em 26 inquéritos policiais. Chegou a ser preso em 2004.

 

OS DELATORES

15. ADOLFO DELMIRO DE SOUSA JÚNIOR, 42 anos. Também atuante nos serviços fiscais,

“maquiava” a entrada e saída de mercadoria na contabilidade do esquema. Emprestou o nome como sócio de uma das empresas. Detalhou todo o funcionamento às autoridades, entregando nomes, funções e operações realizadas.

16. GETÚLIO CASTRO OLIVEIRA, 29 anos. Motoboy, também foi um dos delatores. Fazia o

tráfego de documentos entre os auditores fiscais e o empresário Jovilson Coutinho. Também emprestou o nome como sócio de uma das empresas.

17. FRANCISCO CÂNDIDO DA ROCHA, 54 anos. Também emprestou o nome como sócio das empresas de fachada. Seu depoimento apontou vários detalhes das operações da fraude.

 

OS FISCAIS INVESTIGADOS (*)

18. PAULO SÉRGIO COUTINHO ALMADA, auditor fiscal, 50 anos. Auditor da Sefaz da Célula

de Fiscalização da Mercadoria em Trânsito (Cefit) e irmão do líder do esquema, Jovilson Coutinho. Dentro da Secretaria, desembaraçava os entraves burocráticos das mercadorias adquiridas pelo esquema, facilitando a entrada no Ceará.

19. ANTÔNIO ALVES BRASIL, 53 anos. Auditor da Sefaz, era Orientador da Célula de Execução da Administração Tributária na Barra do Ceará. Também agia como facilitador, desviando o rigor na abertura de firmas. Seria remunerado com propinas do esquema, segundo a denúncia.

 

(*) Por recurso administrativo, os dois auditores foram reintegrados, mas voltaram a trabalhar em funções diferentes.

 

Crimes apontados:

 

1. Organização criminosa: Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por

interposta pessoa, organização criminosa.

Pena: reclusão, de três a oito anos, e multa.

2. Lavagem de dinheiro e ocultação de bens: Ocultar ou dissimular a natureza, origem,

localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: Reclusão de três a dez anos e multa

3. Lei de crimes contra a Ordem Tributária: Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

Pena: Detenção de seis meses a dois anos e multa

4. Corrupção ativa: Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena: reclusão de dois a 12 anos e multa.

 

Como funcionava o esquema:

 

1. Empresas apontadas como de fachada eram criadas principalmente para adquirir tecidos fora do Ceará. Também para a venda de notas fiscais frias.

2. Os tecidos eram revendidos a empresários participantes do esquema, que pagavam de 1,5% a 2% sobre o valor da mercadoria. O estoque era mantido em galpões clandestinos.

3. A mercadoria entrava no Ceará sem recolher o ICMS/ST no posto fiscal. A cobrança do imposto era derrubada por liminares.

4. Na ordem judicial, os empresários conseguiam que a cobrança fosse feita somente no 20º dia do mês subsequente. Normalmente, deveria ocorrer ainda na compra dos tecidos e confirmada no posto fiscal.

5. Feirantes do comércio popular de roupas e tecidos, sonegadores e receptadores de carga roubada compravam as notas frias pagando de 1,5% a 3% sobre o valor registrado.

6. As notas fiscais frias serviam para manter a empresa de fachada “em atividade”, credenciada junto à Sefaz. A aparente regularidade fiscal também permitia obtenção de empréstimos bancários.

7. Quando fiscais não cooptados pelo esquema alcançavam a empresa fraudadora, ela era

imediatamente fechada. O patrimônio migrava para outras empresas e a Sefaz não tinha como cobrar os tributos.

  

Linha do tempo:

 

– Fim dos anos 1990 – O delegado Márcio Gutierrez, que trabalhou na investigação da operação Dissimulare diz que teria sido nessa época o início das fraudes na aquisição de tecidos, trazidos de outros Estados para o Ceará sem o pagamento de ICMS.

– Nov/2013 a jan/2015 – Período investigado pelo Setor de Inteligência da Sefaz, quando o

esquema acionava as empresas de fachada para esconder a compra de tecidos. Em apenas 14 meses, teriam adquirido mais de R$ 1 bilhão em mercadorias.

– 30-mar a 1º-abr/2015 – Na série de reportagem “A Trama da Sonegação”, O POVO revela detalhes do esquema, endereços das fábricas de fachada, confirmava cifras e citava dois empresários como chefes da fraude.

– 1º-set/2017 – É deflagrada a operação Dissimulare. Foram cumpridos 37 mandados de busca e apreensão e 14 pessoas foram presas. O empresário Jovilson Coutinho Carvalho, apontado como chefe do esquema, não chegou a ser preso. Quinze carretas são usadas para remover o estoque de tecido apreendido.

– 15-set/2017 – Denúncia contra 19 pessoas é apresentada pelo Ministério Público.

– 11-out/2017 – Juíza Solange Menezes de Holanda revoga as 14 prisões efetuadas e rejeita a denúncia. A suposta inconsistência relatada e a falta de individualização das acusações teriam sido determinantes na decisão.

– 12-dez/2017 – Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf) do Ministério Público apresenta nova denúncia contra 19 pessoas. Cita 27 empresas como fraudadoras. O documento individualiza as participações e pede a prisão de 14 dos citados.

– 9-mar/2017 – Juíza Solange Menezes de Holanda acata a denúncia. Mantém válida a ordem de prisão preventiva apenas para o empresário Jovilson Coutinho Carvalho e o contador Francisco José Timbó Farias. Ambos estão foragidos.

 

Fonte: Ministério Público Estadual e Banco de Dados do O POVO

CLÁUDIO RIBEIRO