Com o fim dos voos entre a Capital e Juazeiro do Norte, usuários contam apenas com a opção rodoviária. No entanto, os problemas estruturais das estradas prejudicam a viagem
De Fortaleza a Juazeiro: uma jornada pela buraqueira
Com o fim dos voos entre a Capital e Juazeiro do Norte, usuários contam apenas com a opção rodoviária. No entanto, os problemas estruturais das estradas prejudicam a viagem

Viajar de Fortaleza a Juazeiro do Norte tornou-se tarefa das mais complicadas após o cancelamento dos voos entre as duas cidades desde abril. Sem a opção aérea, quem não pode esperar ou pagar uma viagem particular, precisa se preparar para uma jornada longa, poeirenta e arriscada de carro ou de ônibus por estradas esburacadas e sem sinalização. O resultado são percursos demorados e que, quase sempre, causam prejuízos materiais aos motoristas. A Avianca, empresa que operava o trecho, enfrenta um processo de recuperação judicial. Outra companhia aérea, a Azul, só vai disponibilizar voos em junho; e a Gol, que também anunciou a retomada dos voos entre a Capital e o Cariri, ainda não tem data de início do serviço.
A reportagem do Sistema Verdes Mares viajou de Fortaleza a Juazeiro do Norte de carro, e fez o trecho oposto de ônibus. O percurso permitiu ver de perto a situação das rodovias, de um ponto a outro do Estado, e entender o que vivencia a população que faz o trajeto. Motoristas relatam que, com a buraqueira, a viagem demora até três horas a mais do que antes.
De quem sai da Capital, a opção é a BR-116. E o motorista não precisa ir muito longe para descobrir o tamanho do problema que tem pela frente. Os primeiros buracos surgem em Pacajus. Há apenas uma faixa em cada sentido e um fluxo intenso de veículos pesados. Logo, Ademir Dias, catarinense, caminhoneiro há 34 anos, vem até a nossa equipe para desabafar.
“Aqui, no Ceará, é o pior lugar que tem”, afirma o motorista, que faz o percurso entre Santa Catarina e Fortaleza de 10 em 10 dias. “Começa a melhorar da Bahia pra lá”.
Segundo ele, na região Sul do País, a despesa com pedágio é alta, mas compensa. “Eu gasto, lá pra baixo, de pedágio, 2 mil reais por mês. Só que vale a pena. A gente anda em estrada boa e não quebra o caminhão”, explica. “Se você passar num buraco é capaz de tombar a carga”, diz ele. O caminhoneiro também reclama da insegurança. “É assalto direto que acontece”.
De Pacajus, os problemas seguem pela BR-116 até Chorozinho. E pioram. No entroncamento da chamada “Estrada do Algodão”, pegar a contramão para fugir das crateras virou rotina. Motoristas encontram não só buracos, poeira, trechos sem acostamento, mas, também, dezenas de tapadores de buraco improvisados. Homens da região, que passam o dia colocando areia nas crateras em troca de moedas e cédulas que são jogadas ao vento.
Aparecendo
“A gente sempre está aí, aparecendo nos buracos” é a explicação de Rafael Silva, de 19 anos. Alguns deles vêm de outros municípios, como Cascavel. A renda varia de R$ 30 a R$ 50 por dia. Chegam cedo, 6 da manhã, e ficam até o início da noite. “É o único ganha-pão nosso”, afirma Antônio Barbosa, 39 anos. Ainda assim, ele faz questão de dizer que estão fechando os buracos, “mas não era para isso acontecer”. A responsabilidade é de outras pessoas.
Os buracos diminuem, mas não desaparecem entre Chorozinho e Russas e, assim, em diversos trechos da BR-116 que seguem até a região do Cariri. Dali, a via ainda continua até Penaforte, quando entra em Pernambuco, em direção ao Sul do País.

Para quem vai a Juazeiro do Norte, é preciso prosseguir na rodovia federal até Barro, entrando, depois, na BR-230, na CE-385 e, em seguida, na CE- 060. No total, são 514 quilômetros de estrada.
Para encurtar o caminho, foi construída a Rodovia Padre Cícero, composta por vários segmentos federais e estaduais. O motorista que sai da Capital e pega a BR-116 até o município de Chorozinho pode entrar, no sentido Quixadá, pela BR-122. A proposta é diminuir em 52 quilômetros a distância entre Fortaleza e a terra do Padre Cícero. Mas, na prática, o que a rodovia encurta em quilômetros, aumenta em dor de cabeça.
Sequência
Em Quixadá, o motorista vai enfrentar 40 quilômetros de estrada destruída até o próximo município, Banabuiú. “Não tem acostamento, muita buraqueira, não tem sinalização, é muito difícil você ver uma placa”, reclama o caminhoneiro Mardônio Viana. “Tanto é mais cansativo, porque a gente tem que diminuir o ritmo, quanto aumenta o perigo de assalto”, conta.
A advogada Crislaine Barbosa também reclama dos prejuízos. “É pneu, é manutenção do carro, né? A gente sempre tem que arcar e custear com isso aí”, explica. Para ela, o trecho é a única opção de trajeto, mesmo com tantos buracos. A alternativa “era por Morada Nova, só que aumentaria em torno de 180 quilômetros, porque teria que pegar a cidade de Ibicuitinga. Então, fica inviável”, conta.
Atraso
Saindo de Banabuiú, outro trecho complicado surge no distrito de Cascudo, em Icó, até o município de Cedro, pela CE-153. Os buracos na região também atrasam a viagem. “A estrada aí tá horrível, toda esburacada”, explica o aposentado Antônio Francisco. “Quando está chovendo, isso aqui fica cheio d’água”, conta.
O trecho da rodovia Padre Cícero depois de Cedro, que passa por Lavras da Mangabeira, Caririaçu e, por fim, Juazeiro do Norte, está bem sinalizado e sem relevantes problemas estruturais.
Opção de ônibus
A única empresa que faz o trajeto rodoviário de Juazeiro do Norte a Fortaleza, e vice-versa, é a Guanabara. São 38 viagens por dia, ida e volta. Uma multidão de aproximadamente 1.200 pessoas transita, diariamente, entre os dois destinos. Com o fim da operação aérea da Avianca, houve incremento de quase 19% no número de viagens e de passageiros nos quatro trajetos possíveis que a empresa oferece: via BR-116, via Cedro, via Iguatu e via Penaforte.
Nossa equipe acompanhou o trajeto via Cedro, saindo da região do Cariri rumo a Fortaleza. Lucimar Fideles, de 73 anos, foi uma das passageiras da longa jornada. São 12 horas, 18 paradas. Ela estava indo à Capital por questões de saúde. A filha, que a aguardava em Fortaleza, já tinha avisado: “mamãe, não tem buraco, tem cratera”.
A aposentada Fátima de Lima viajava com a neta, Rariana Lourenço, de 22 anos. A idosa explicou que precisava visitar uma irmã na UTI. “A última vez que eu fui, me senti tonta, com gastura, passei mal dentro do ônibus”, contou a aposentada. “Doze horas, praticamente. Realmente, é bem cansativo”, confirmou a neta.
O ônibus segue de Juazeiro do Norte para Crato e, depois, para Farias Brito pela CE-386. A estrada está cheia de remendos. Segundo um usuário que faz semanalmente o trajeto, mas preferiu não se identificar, o problema é o tipo de material utilizado no asfalto.
“É de péssima qualidade. Eles fazem um serviço e, com uma semana, o buraco está aberto novamente. Pode ver que já está afundado. O serviço foi feito agora, e os buracos já estão abertos”.
Mesma situação pode ser vista no trecho entre Missão Velha e Barbalha. “Foi feita a duplicação. Só que a obra não foi nem inaugurada ainda e já está toda remendada. Já tem locais que estão afundando”, reclama o passageiro. “A gente via fila de carro de passeio com pneu estourado. Quando estoura o pneu, quebra roda, estoura amortecedor, é prejuízo” afirma.
Bagagens caem
Assim como quem viaja de carro, a maior reclamação é o trecho entre Banabuiú e Quixadá, na BR-122. Segundo Manoel Duarte, de 73 anos, que faz o percurso de 15 em 15 dias, o “sacolejo” nesse trecho é tão grande que “as bagagens caem por cima da gente”. “O ônibus não é como o avião. O avião tem a gavetinha, que tranca. Aqui é solta. Quando o carro solavanca muito, a mala cai”.
Damião Machado, de 61 anos, teve muito prejuízo. Ele já tinha comprado a viagem de ida e volta para Juazeiro de avião, pela Avianca. “Esse horário, eu estaria viajando para São Paulo. Só que a Avianca quebrou, perdi a passagem, aí tive que comprar uma da Latam, de Fortaleza, pagando mais que o dobro do preço”, revela.
O trecho final da viagem de ônibus é a BR-116, circulando no mesmo pedaço poeirento e estreito do início da matéria, o que torna as horas finais da jornada ainda mais longas.
“É risco de vida, como já aconteceu aqui, na BR-116. Um caminhoneiro foi desviar de um buraco, virou o caminhão e morreu”, lembra outro passageiro, cansado e revoltado com o descaso na via.
Quem sai às 9h30 de Juazeiro, chega na Rodoviária Engenheiro João Tomé por volta das 21h. Hora de recolher as malas, esticar as pernas e deixar o veículo pra trás. O casal de idosos Antônio Lisboa e Antônia Fernandes estava bem exausto. “Muito cansativa a viagem. Cansativa demais”, diz ele, com seus 71 anos de idade. “Pra gente que já tem a idade, não dá mais não, viu?”, diz ela, com seus 62 anos.