Caos – Fortaleza, cidade parada pelo trânsito

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Fortaleza, assim como outras cidades do Brasil, está atrasada na implantação de medidas de planejamento urbano

Uma cidade parada. Assim é Fortaleza há, pelo menos, 10 anos. Passar horas em um engarrafamento já faz parte da rotina diária dos fortalezenses. O estudante Wescley Santos da Costa leva 1h30 para chegar à faculdade. Ele mora na Avenida Bezerra de Menezes e faz, todos os dias, um dos itinerários mais complicados (avenidas 13 de Maio e Pontes Vieira) de transporte público. “Tenho que fazer um planejamento, sair de casa bem antes e ainda pego ônibus lotado”, revela. Já o advogado André Real prefere deixar o carro em casa e andar a pé. “É complicado usar automóvel”.

O problema, que se agravou nos últimos cinco anos, é que a frota de veículos cresce a cada dia, mas as ruas e avenidas continuam as mesmas. Fortaleza recebe um incremento de 6 mil automóveis por mês. Até 2015, a frota deve ultrapassar a casa de um milhão.

Em números relativos, até junho deste ano, segundo o Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE), a cidade continha 772.170 veículos circulando. De dezembro de 2010 a junho de 2011, houve um aumento de 4,8%.

Um das causas é que Fortaleza, assim como outras cidades brasileiras, está atrasada na implantação de medidas de planejamento urbano para receber o crescimento da frota e da população, como destaca o arquiteto e urbanista, Antônio Paulo Cavalcante. “Outras cidades do mundo, com uma frota maior que a Capital cearense, se preocuparam bem cedo em equilibrar: o uso e ocupação do solo (infraestruturas), a frota (público-privado) e os usuários (educação-transporte de massa)”.

Plano Diretor

A cidade não conta nem mesmo com um Plano Diretor efetivo. O projeto, que prevê o desenvolvimento do sistema viário básico do Município, foi aprovado em 2009, mas não saiu do papel. “Ainda relutam as discussões de atualização dos projetos complementares ao Plano Diretor que não teve um cunho operacional e carece que a comunidade técnica tome a direção”.

Fortaleza ainda tem a estrutura de trânsito dos anos 90. Conforme o arquiteto, a cidade está repleta de diferentes traçados e de loteamentos desconexos, sem padronização de quadras (quarteirões). “Esta deficiência de padronização é de natureza histórica da formação do Município e que, hoje, não comporta mais a frota existente”.

Os congestionamentos são ocasionados por uma conjunção de fatores /atores que compõem os transportes: a frota, os usuários e a infraestrutura (vias), segundo o especialista. “Quanto à frota, a facilidade de aquisição tem elevado o número de veículos nas ruas. Isto tem ocorrido devido às melhores condições financeiras da população e de pagamento do carro”.

Mas as dificuldades no trânsito também são ocasionadas pelos usuários. Faltam campanhas educativas e uma maior aceitação de regras, como aponta a doutora em Planejamento Urbano, Cleide Bernal. “Se queremos viver nas cidades e manter o elitismo da cultura do automóvel precisamos aceitar as regras da mobilidade urbana”.

Sobre a infraestrutura da cidade, Cavalcante pontua que a eficiência do sistema é refém da lentidão do tráfego, exatamente pelo aumento da frota de veículos privados. Segundo ele, o tempo médio de deslocamento evoluiu para quase 60minutos, a depender da origem e do destino das viagens.

As consequências são devastadoras. Como aponta o especialista, a primeira delas é a morosidade nos deslocamentos, seguida do aumento de disputas por espaços e um crescimento de condições para acidentes. Antônio Paulo Cavalcante acredita em ações concatenadas, simultâneas e culturais na redução do uso do veículo privado e no aumento do uso do veículo público de qualidade, para todas as classes sociais como soluções. “As ações terão que ser ´cirúrgicas´ e urgentes”.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Não há tempo para mudanças profundas

É um problema de planejamento urbano, de política econômica e de políticas públicas. Com a crise econômica de 2009 o Governo Lula aplicou uma política de isenção fiscal para a indústria automobilística, sem nenhuma reflexão ou interação com os governos municipais. Com a redução dos preços dos automóveis a demanda explodiu. Foi a partir daí que o trânsito de Fortaleza tornou-se caótico, com um aumento inusitado da frota sem nenhuma política pública que viesse amenizar a situação da mobilidade urbana. O que temos, na prática, são investimentos em grandes obras, que são intermináveis, do tipo metrô e Transfor e, por outro lado, o poder público não pensa em investimentos na melhoria e ampliação do transporte coletivo. Além do aumento da frota, comprovamos aumento da quantidade de condutores com novas habilitações.

Precisamos de uma política urgente de ampliação e melhoria do transporte coletivo e campanhas educativas para os condutores. As saídas de ordem técnica são lentas: repensar o modelo de cidades e as espacialidades urbanas dentro da atual realidade. Precisamos mudar os hábitos e reorganizar o uso do solo urbano de forma que possamos andar a pé. Outra mudança necessária é romper com os valores da civilização do automóvel individual. As vias devem ser direito dos cidadãos e não apenas dos usuários de automóveis. As obras de infraestrutura viária, se forem aceleradas, e as campanhas educativas poderão ajudar, mas é muito curto o tempo para fazer mudanças profundas.

Cleide Bernal
– Doutora em Planejamento Urbano

TRANSFOR
Soluções são pensadas e executadas

Para solucionar o caos no trânsito de Fortaleza algumas medidas vêm sendo tomadas e pensadas. O Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor) desenvolve uma política de mobilidade urbana. De acordo com o coordenador, Daniel Lustosa, o programa, em execução há mais de três anos, já conta com mais de 170 quilômetros de pavimentação concluída e mais de 20 quilômetros de drenagem. Além disso, o projeto prevê a construção de quatro túneis, dois viadutos, calçadas e ampliação dos terminais.

“O Transfor está aumentando a capacidade de avenidas, como a Bezerra de Menezes, de três para quatro faixas, restaurando a Domingos Olímpio, a Pontes Vieira e a Costa Barros. Essas ações já estão em andamento ou finalizadas”, como informa o coordenador.

As ações para a Copa de 2014 são a retirada de semáforos da Via Expressa, obras de recuperação da Raul Barbosa com Murilo Borges, a duplicação da Alberto Craveiro e intervenções na Dedé Brasil. Além disso, haverá o investimento em ciclovias e em faixas exclusivas para o transporte público. Outras ações citadas por Daniel Lustosa são a regulação do transporte de carga e o investimento em educação no trânsito.

“O Transfor é um programa de ação continuada, já que a frota de veículos vai continuar crescendo e a população também. O foco é melhorar a mobilidade urbana”, ressalta. Ele garante que as intervenções serão entregues até a Copa de 2014.

As obras são necessárias, mas geram ainda mais transtornos. Além disso, as vias que são abertas como alternativas durante as obras, não permanecem após a conclusão. Para evitar os transtornos, Lustosa explica que o Transfor comunica previamente que aquela localidade vai passar por obras. Ele diz que as vias estão sendo recuperadas para servir de acesso.

De acordo com o arquiteto e urbanista, Antônio Paulo Cavalcante, as intervenções são necessárias. “Mesmo com as obras, no que se refere a macroacessiblidade (escala da cidade) deve-se ter em mente a busca por amenizar os problemas. A cidade carece de novas continuidades”.

O especialista acredita que a Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC) tem se debruçado sobre métodos de controle da demanda para saber como e onde os fluxos ocorrem com maior intensidade a fim de decidir quais intervenções devem ser feitas. Porém, o arquiteto coloca que as ações concatenadas entre a AMC e a Secretaria Municipal de Infraestrutura precisam ser contínuas e devem atuar em atividades urbanas que contribuam para o acirramento dos congestionamentos.

BR-116

O problema do trânsito em Fortaleza é tão grave que até mesmo nas BRs os congestionamentos são constantes. É o caso da BR-116. Para Cavalcante, a causa disso é que as cidades dormitórios (do Interior) não obtiveram sua independência econômica e, portanto, os fluxos afluem para a Capital. “Com o aumento da frota, todos optam, pelo uso do transporte privado para acessarem seus empregos em Fortaleza. A oferta de oportunidades nas cidades dormitórios precisa vir acompanhada das infraestruturas”.

Uma das soluções apontadas pelo promotor do Núcleo de Atuação Especial de Controle, Fiscalização e Acompanhamento de Políticas do Trânsito (Naetran), Gilvan Melo, foi o rodízio de carros. Ele diz que a medida foi rejeitada pela AMC. “O órgão alegou que não tinha como fiscalizar, mas o rodízio ainda é a salvação”. O presidente da Autarquia de Trânsito, Fernando Bezerra, não quis se pronunciar sobre o assunto.

Fonte: Diário do Nordeste

LINA MOSCOSO
REPÓRTER

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